sexta-feira, 24 de outubro de 2014

O azul dos poderosos

Sempre me fascinou saber que na idade média e até o início do século XIX, se obtinha o azul ultramar a partir do lapis-lazuli, pedra semi-preciosa que só os burqueses ricos e a igreja podiam comprar. Assim, além de utilizadas para fins de lapidação, eram moídas e preparadas para que seus melhores artistas pintassem mantos de santos e dos poderosos de então.
Pepita de lapis-lazuli
As pepitas, consideradas como uma rica mercadoria, eram trazidas pelos mercadores que se aventuravam por perigosos caminhos até as minas de Badakshan, no Afeganistão. Depois de percorrer uma tortuosa rota, as pepitas entravam na Europa através de Veneza, na Itália.
As minas estavão uma região quase que inacessível nas nascentes do rio Oxus, do lado norte do Kush Indiano, Os estudiosos avaliam que estas minas foram a fonte mais provável do lapis-lazuli para a Mesopotâmia e para as outras civilizações do tempo clássico.
Mas em 1806 isto começou a mudar.
Os cientistas franceses Desormes e Clement, como resultado de suas pesquisas, publicaram estudo científico desvendando a composição (e o encanto secreto) do lapis-lazuri.
Esta pedra semi-preciosa era composta, afinal de contas, de sódio, sílica, alumínio e enxofre.
Pigmento do lápis-lazuri

Em novembro de 1824, a Sociedade para o Encorajamento da Industria Nacional, da França, ofereceu um prêmio de 6 mil francos para quem conseguisse um processo para reproduzir o material precioso de forma que não excedesse os 300 francos por quilo.
O prêmio foi ganho quatro anos depois por J.B.Guimet de Toulouse com o seu processo de criação do pigmento,
Quase de forma simultânea e bastante independente, outros cientístas também chegaram a solução, que envolvia sempre o processo de aquecimento em fornos durante várias horas.
O interessante é que se variando o processo se obteve (e obtem até hoje) diferentes cores e tonalidades passando pelo violeta, vermelho e rosa.
Diferentes tons e cores resultantes do processo de criação do azul ultramar
Mais um sub-produto foi obtido com variações no processo, por Kottig na cidade de Meissen em 1828, quando o cientista obteve o verde ultramar. Este pigmento, apesar de relatado, é ignorado hoje em dia.
Por último, em 1879, R. de Forcrand obteve um amarelo, que afinal não se demonstrou útil, reagindo uma solução de nitrato de prata com pigmento de azul ultramar a 120ºC. Bem, mas valeu a tentativa, né?
Espero que você tenha apreciado esta voltinha pela história do azul (violeta, rosa, vermelho, verde) ultramar.
Inté

Obs: Eu usei para o preparo desta postagem os livros "Painting Materials - A short Encyclopaedia" de Rutherford J. Gettens e o"Dictionnaire des matériaux du peintre", de François Perego.

terça-feira, 21 de outubro de 2014

Os segredos do cinza II

Agora que já preparamos o nosso preto tonal, e misturamos alguns cinzas diferentes, estamos preparados para avançar mais um passo no domínio das cores que é, no fundo, o que estamos fazendo.
Vamos preparar novamente um preto tonal, nos utilizando daquela mistura de ultramar, carmim e amarelo de cádmio.
Neste momento, vale uma observação - Não é necessário que trabalhemos em acrílico. Quem já está acostumado com o óleo e aprecia a calma no momento de preparar a sua mistura, prossiga deste jeito, que ao final, talvez demorando um pouquinho mais para secar, vai dar tudo no mesmo.
Vamos nos utilizar de uma escala de cinza menor do que a padrão (de nove valores). Uma escala somente com cinco valores será suficiente para o nosso exercício. Você pode baixar a escala aqui.
Escala de cinco valores de cinza
Com os cinzas preparados de acordo com a escala acima, vamos fazer o nosso primeiro exercício de valores, que nada mais é do que desprezar as cores de uma imagem e criar uma obra se utilizando somente de seus valores em preto e branco.
Fotografia tirada no entôrno de Brasília
Vamos mudar um pouco esta foto, tirando as suas cores, o que nos dará idéia do trabalho a ser realizado:
Aqui eu já marquei o que seria o meu ponto preferencial de interesse, o
ponto para onde gostaria de trazer a atenção das pessoas
Para evitar um fundo branco e sem graça na tela, dei uma aguada de amarelo-ocre, o que fará com que ele transpareça em alguns pontos da pintura.
E agora, ao trabalho! Vejam o que consegui como resultado final:
Segredos do Cinza AST 22,5 x 30,0 cm
Vamos lá?

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Os segredos do cinza I

O cinza é a cor sem a cor. Simples, não?
Sendo menos hermético, quando discutimos a harmonia de cores (veja as postagens clicando aqui) vimos que dentre as suas três características, uma era a intensidade.
Assim, podemos aumentar ou diminuir a intensidade de uma cor, saindo de sua intensidade normal para uma que identificaríamos como "estourada" ou, por outro lado, rebaixando a intensidade até que a cor se torne em um cinza, ou algo muito próximo disto. Na roda das cores de Munsell (primeira postagem de harmonia) seria o círculo central, ou as porções mais próximas dele.
O pintor que já possui maestria sabe que oscilando a intensidade das cores aumenta a chance de harmonizá-las, e uma das técnicas utilizadas para isto é a mistura com maiores ou menores doses de cinza.
"Mas que cinza? Será que você está falando de adicionar preto ao branco?"
Aqui está o nosso primeiro segredo: Não vamos nos utilizar de nenhum dos pretos que estão  disponíveis no mercado.
Vamos preparar o nosso, a partir das cores primárias amarelo, azul e vermelho. A esta nova cor, chamamos de preto tonal.
O vermelho, azul e amarelo devem ser apropriados para esta mistura, e constar da paleta que pretendemos utilizar em nosso trabalho cotidiano.
Observação: Cabe aqui assinalar que o preto tonal pode ser obtido de outras formas, como por exemplo a mistura do alizarim crinsom com o verde veridian, e outras tantas receitas, mas para facilidade de trabalho, vamos continuar com a solução da mistura das três primárias.
Assim, vamos tomar duas providências:
Amarelo e vermelho de cádmio, azul ultramar e branco titâneo


  1. Utilizar tinta de somente um fabricante, que no caso vai ser a Corfix acrílica, série Art;
  2. Usar as cores azul ultramar, vermelho de cádmio médio e amarelo de cádmio médio, Posteriormente, para a criação dos cinzas, nos utilizaremos também do branco de titâneo.
Comecemos por colocar um pouco de cada uma das cores na paleta. Com a experiência, você vai aprender que o azul é mais utilizado que o vermelho, que por sua vez, é mais utilizado que o amarelo na construção do preto tonal.
Use uma espátula, que pode ser facilmente limpa e evita uma contaminação indesejada das tintas puras, e comece a fazer uma mistura das cores.
Dica: Antes de começar o trabalho coloque algumas gotas do retardador de secagem da Corfix em cima de cada montinho de cor, e misture.
Quando for mixar as três cores, trabalhe aos poucos, de forma a prevenir eventuais desvios para o violeta ou para o verde.
Pronto, conseguimos o nosso Preto Tonal!
Construção do preto tonal
Com certeza não vai ter a negritude de um preto de marte, mas tem em si as nossas três primárias, um fator de integração na hora de fazer as misturas. Agora, é só criar quantos tons de cinza desejarmos, misturando doses diferentes do branco de titâneo com o nosso preto.
Cinzas a partir do preto tonal
Na próxima parte, veremos como esquentar e esfriar estes cinzas, deixando-os preparados para que, com pequenas adições de cor pura, possamos criar as nossas obras.
Uma observação final é que o pintor que se utiliza de óleo tem mais facilidade com estas pré-misturas, já que não tendem a secar rapidamente. No entanto, os retardadores são uma boa solução para o problema.